quinta-feira, 26 de março de 2009

Quando a empresa e o cliente criam juntos


Trechos de entrevista com Venkat Ramaswamy, um dos autores de "O Futuro da Competição"

por Rafael Barifouse

Época NEGÓCIOS - O que é exatamente co-criação?

Venkat - Deixe me falar o que não é co-criação. Co-criação não é o quão bem a companhia consegue focar no consumidor. Não é customização em grande escala. Não se trata de ser custumer centric. Trata-se de ter a companhia e o cliente criando juntos uma experiência para o consumidor, que envolve o consumidor. Em primeiro lugar é um processo conjunto de criação de valor. Eu falei que não se trata de ser custumer centric porque muitas empresas tentam criar uma organização focada no consumidor, mas é a sua visão de foco no consumidor, não a visão do consumidor sobre o que é o foco no consumidor. A co-criação é tanto a visão do cliente quanto a da companhia sobre o real foco no consumidor. Já vi muitas organizações que se diz focada no consumidor, mas a visão é muito de dentro para fora. Se você quer realmente criar valor sob o ponto de vista do cliente, vc tem que engajá-lo no processo. Afinal de contas, é o consumidor que vai definir o que tem valor para ele. Estamos falando na verdade de duas coisas. Co-criação é sobre ser centrado no indivíduo, sobre ser centrado na experiência, sobre envolver o cliente e foco em como o cliente quer se engajar contigo, ou seja, ver como o cliente interage com a companhia, com seus produtos, serviços e processos. A maioria das companhias que acreditam estar co-criando, na verdade estão recebendo inputs dos clientes, mas se o cliente não sabe quais são os inputs que você pegou e como vc os pegou, isso não é co-criação. Por exemplo, eu estava numa companhia aérea e a pessoa ao meu lado estava reclamando de toda a experiência. No final do vôo, uma aeromoça entregou um papel com um questionário de controle de satisfação dos clientes. Mas ele olhou e ficou perplexo. "Essas não são as perguntas que eu gostaria de responder!" As empresas acham que estão focando no cliente ao elaborar perguntas e fazer pesquisas, mas não envolvem os clientes na elaboração das perguntas. A questão é: o cliente está tão envolvido quanto a companhia na criação de produtos, serviços, processos, pesquisas, preços, desenho? Essa é a distinção.

EN - Que tipo de cliente quer interagir com as empresas? A quantidade dessa clientela é maior que os clientes que simplesmente não têm tempo para interagir com a empresa e prefere apenas pegar o que a empresa já têm a oferecer?

Venkat - Vejamos os casos das camisetas que são desenhadas pelos clientes (camiseteria.com.br). Eu por exemplo, não mandaria um desenho para o site. No entanto, quando vou a uma loja comprar uma camisa, eu quero co-criar a minha experiência de compra (não a experiência de desenhar a camisa). Na loja, vc tem que necessariamente participar. Vc não pode comprar uma camisa sem dizer o tamanho e os tons que deseja. Mas talvez vc não queira co-criar. Envolvimento zero. O grau de envolvimento depende do consumidor. Se vc vai à loja para comprar uma camisa, talvez vc não queira desenhá-la, mas talvez vc queira uma ajuda do vendedor para escolher a camisa. Quão maior o seu envolvimento no momento da venda, maior a probabilidade de vc. ficar satisfeito. Porque o vendedor não consegue ler a sua mente. Posso participar dando feed-backs, como "acho essa etiqueta muito dura", ou "já comprei essa cor, mas ela desbotou rapidamente." Agora a questão é: a empresa está pegando esse conhecimento e partilhando ele com o fabricante da camisa? O consumidor não precisa estar tão envolvido.

Vamos pegar o exemplo em que o consumidor não está nada envolvido. Ele não sabe como encontrar as camisas, se perde nos corredores, talvez o tamanho das letras nas placas seja muito pequeno e ele não consiga ler. A experiência não é muito boa. Se a companhia observa a sua experiência, talvez ela consiga aprender como mudar sua experiência. Então, o primeiro ponto de inovação é na experiência do consumidor, o que chamo de a inovação da experiência. Isso não requer participação do cliente. Posso criar uma boa experiência para ele sem que ele participe da criação. No entanto, depois que criei alguma coisa, o cliente pode me dar feedback sobre a experiência. Talvez a pessoa não tenha tempo de te dar um feedback por meio de um questionário. Mas o cliente pode dar feedback em qualquer interação com pessoas da empresa. Posso falar com um empregado de um hotel que eu gostaria que tivesse uma tomada nesse tal lugar para conectar o meu laptop. Todas as interações são oportunidades para a companhia aprender sobre a sua experiência. Mas a companhia está aproveitando essa interação para aprender? Esse é o primeiro ponto, que a companhia saiba aprender. E depois ela cria algo para o cliente baseado nesse conhecimento. Não estou falando ainda de co-criação.

Isso é o que chamo de criação de experiência. Mas quando vc começa a fazer isso e permite ao cliente que se engaje nesse processo, ele vai perceber que pode começar a participar da companhia em muitas maneiras. Acho que a companhia deve deixar o consumidor participar de muitas formas: design (só algumas pessoas vão querer participar), experiência de compra (todo mundo vai participar, alguns mais que outros), co-criação de insights para os clientes, co-criar a experiência de devolução de produtos, co-criar a experiência da fatura de pagamento. Por exemplo, pegue uma companhia de cartão de crédito. Minha conta é enorme, com 20 páginas, e eu gasto um tempo para olhá-la. A primeira coisa que faço é procurar os pagamentos mais altos. E minha mulher me pergunta: quanto gastamos nas férias, quanto gastamos em restaurantes, quanto gastamos em entretenimento? E eu não sei. Então ela pega canetas fluorescentes de diferentes cores para marcar os tipos de despesas. E depois ela soma esses itens. A maioria dos clientes provavelmente não gostaria de estar envolvido na co-criação das contas, mas eles acabam perdendo tempo com as contas de qualquer maneira. Se a companhia pudesse criar um site no qual vc decide em que tipo de categorias de despesas vc quer dividir a sua conta, isso te economizaria muito tempo. Minha mulher ficaria muita feliz.

EN - O senhor acha que no futuro todas as companhias terão de fazer co-criação?

Venkat - Sim. Se vc analisar como o mundo está mudando, vc verá que a expectativa dos clientes está mudando de maneira cada vez mais rápida. As gerações mais jovens serão os grandes consumidores amanhã. Essa geração está crescendo de maneira muito interativa, e querem se envolver. Olhe para o MySpace, o Youtube. Estava falando com o meu pai sobre o assunto e ele não quer estar envolvido. Ele nem pensa que pode ter alguma influência numa companhia. Mas essa nova geração está acostumada a interagir. Trata-se de uma mudança estrutural no sistema, porque as pessoas são capazes de se expressar e querem se engajar. Por isso todas as pessoas terão de co-criar, porque o mundo está caminhando nessa direção, não dá para escapar.

EN - Hoje em dia, já é difícil gerenciar a quantidade de idéias criadas pelos próprios funcionários da empresa. Como é possível gerenciar as idéias dos clientes?

Venkat - A empresa deve alocar gente para avaliar essas idéias em tempo integral, para identificar padrões de idéias e levar essas idéias para as pessoas certas dentro da organização. Mas pode contar também com a ajuda da própria comunidade para essa avaliação, com ferramentas como a internet, por exemplo.

EN - Aproveitando esse tema de co-criação, eu ia pedir ao senhor para elaborar a última pergunta...

Venkat - E quem vai responder?

EN - O senhor, se tiver a resposta.

Venkat - Bom, minha pergunta é: "A co-criação pode ser aplicada em todos os tipos de empresa?" A resposta é sim. Pegue uma fabricante de pneus, por exemplo. Pensamos em termos de produto, o pneu. Mas alguns fabricantes começam a pensar em focar na experiência que as pessoas têm usando pneus. Tanto no mercado dos consumidores individuais como no de frotas. No mercado de frotas, por exemplo, as pessoas estão pensando em como fazer um pneu que consiga calcular sua quantidade de uso. Colocam sensores nos pneus e coletam dados sobre a "experiência" do pneu. As fabricantes estão percebendo que se conseguem coletar esses dados e entregá-los para a gerência das frotas, elas podem passar a cobrar, não o pneu, mas o uso do pneu. Alugam o pneu conforme o uso. Se usou mais, paga mais, se foi menos, paga menos. Mesmo em empresas que vendem commodities é possível pensar jeitos de co-criar. No caso de carros, por exemplo, talvez eu queira um carro mais divertido para passear no fim-de-semana e um mais sóbrio para ir ao trabalho. Existem companhias de seguro de saúde em que você consegue um desconto se mostrar que está fazendo exercícios e que tenho um risco menor de ter problemas de saúde. Muitos setores estão se dando conta de que se focarem nas experiências individuais dos clientes, co-criadas com o próprio cliente, e descobrir um jeito de cobrar por essa experiência, as companhias vão ganhar mais dinheiro e os consumidores estarão dispostos a pagar por essa experiência. É um modelo em que ambos os lados lucram. Ao ser transparente e criar um verdadeiro diálogo com o consumidor, todas as empresas vão ver que podem co-criar experiências. Sem exceções.


Co-criação: novo paradigma para os negócios


Um novo paradigma vem surgindo de forma sorrateira no mundo dos negócios. A co-criação.

Co-criação é permitir de alguma forma que o cliente ou usuário faça parte do processo criativo e produtivo da empresa. É mudar a forma tradicional das empresas produzirem onde são feitas pesquisas de mercado e desenvolvimento de produto na intenção de chegar a um produto final que uma grande quantidade de pessoas tenha o desejo de comprar. Nesse paradigma tradicional, sempre existe a figura do criador centralizado, o designer, o projetista que a partir de um feedback do mercado (pesquisa) trata de bolar algo para ser produzido e comercializado.

No novo paradigma de criação de produtos, o consumidor participa ativamente do processo criativo, tornando o produto final muito mais atraente para o mercado, já que foi o próprio mercado que o criou. Isso é Co-criação.

Exemplos de co-criação ainda são poucos (Camiseteria, Wikipedia, Nespresso, Eletrolux Design Lab, Seriado L Word Fanisode), mas acredito que em breve veremos cada vez mais iniciativas de co-criação.

Essa estratégia promove diversos benefícios tanto do ponto de vista produtivo quanto do ponto de vista de marketing.

Produtivamente falando, essa abordagem minimiza o risco de desenvolvimento de produtos pouco aceitos pelo mercado. Minimiza também o risco de uma análise mal feita de uma pesquisa de mercado. Além disso, dependendo de como a empresa implementar a co-criação, é possível aumentar exponencialmente a capacidade de criação da empresa. O que será que produz mais? Meia-dúzia de designers e projetistas ou 6 mil clientes colaborando na criação de algum produto?

Do ponto de vista de marketing, a abordagem da co-criação cria um vínculo muito mais estreito entre o produto e os clientes. Esse estreitamento transforma totalmente sua forma de comunicação empresarial. Você deixa de falar com o cliente que apenas consome o seu produto e passa a falar com a pessoa que além de consumir, ajudou a criar o produto, seja de forma direta ou indireta. Transformamos "Ei, estranho, compre meu produto. Olhe como ele é bacana" em "E ai, meu camarada, olha como ficou bacana o nosso produto. Agora é só você comprar".

Mas o que faz um cliente dedicar seu precioso tempo na co-criação de um produto? Várias são as motivações. Eis algumas:

· Incentivo a fazer parte de algo maior que a pessoa sozinha não teria capacidade de fazer (software opensource).

· Incentivo a notoriedade. É mostrar para o próximo que ele faz parte daquilo que foi criado.

· Pura diversão.

· Oportunidade de colaborar. O ser humano é um colaborador por natureza.

· Recompensa financeira.

A Internet e o desenvolvimento dos meios de comunicação permitiram novas formas de colaboração. Vide a Amazon por exemplo, onde o cliente colabora com conteúdo gratúito. Mas co-criação é coloaboração aplicada nas entranhas do processo produtivo. Co-criação, ao invés de colaborar com conteúdo sobre um livro, é efetivamente criar o livro em parceria com outros escritores. Seja para benefício do grupo que o criou ou para benefício dos prórpios criadores e da empresa que viabilizou e proporcionou a oportunidade de co-criar (uma editora por exemplo).

Exemplos da vida real:

· Camiseteria.com: Quem não conhece?

· Wikipedia: Enciclopédia cujo conteúdo é criado milhares de usuários.

· Nespresso: Concurso para a criação de produtos envolvendo a experiência de tormar um café.

· Nokia Concept Lounge: Concurso (encerrado) para a criação de produtos da Nokia.

· Seriado L Word: Um episódio do seriado L Word todo criado por fans da série.

· Eletrolux Design Lab: Concurso para estudantes criarem produtos para a Eletrolux.

Fica a pergunta: Como outros negócios podem aproveitar essa tendência?